Vamos tomar um chá?

Vamos tomar um chá?

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Pelo direito de estar descalça...

Para que me compreenda melhor tenho que lhe dizer que sou o tipo de pessoa que vive pensando em subir em árvores e pular janelas. Tomar banho de chuva ou comer com as mãos ao invés de talheres são atos deliciosos que afagam e colorem a vida, mas não faz parte da nossa cultura. Graças a Deus, ou não sei porque cargas d'água exatamente, mas talvez por conta de um infância sem muitas repressões, uma boa parte dessa "nossa" cultura não se introjetou em mim.
Desde criança detesto assistir televisão. Detesto mesmo, a ponto de ter tido pesadelos infantis nos quais chegava em casa e tinham enfiado uma TV no meu quarto. Era uma sensação tóxica apavorante.
Quando ganhei uma TV dos meus pais aos 12 anos de idade, chorei me sentindo insultada. Por que eu, uma menina criativa que construia casas de bonecas com caixas de sapato precisaria de uma televisão? Na época não tínhamos acesso á TV por assinatura, onde você pode ao menos escolher o conteúdo do que quer ver.
Te conto esta base para você compreender um pouco o meu espírito subversivo e questionador. Não tenho pretenções de mudar o mundo, mas dentro do que diz respeito ao meu mundo as coisas ganham outra nuance. Aquilo que transita pelos meus sentidos, aquilo que me envolve, que me penetra, escolho eu se quero ou não.

Outro dia saindo pro mercado calcei um chinelo velho que tinha em casa. Fora isso estava até bem vestida, "apresentável'. O chinelo arrebentou no caminho, mas eu decidi ir mesmo assim. Dirigir descalça sentindo o pedal pode não ser o ideal ou o mais seguro, mas é uma experiência sensorial interessante.
Desci do carro pulando na ponta do pé pelo asfalto e comecei e fazer minhas compras de pé no chão, linda e de pé no chão. De repente flagro diversos tipos de olhares para aquele meu contexto. Fui na ala de chinelos e pensei em comprar um, mas a verdade é que eu tinha outros em casa e só compraria pra não estar descalça naquele breve momento. Optei por não comprar. Os olhares alheios continuavam olhando meus pés.
Concluí comigo que se fosse há um tempo atrás na minha vida, quando a opinião das pessoas a meu respeito tinha um peso incalculável, eu sairia me justificando a cada um que olhasse pra mim naquele momento: "ai, meu chinelo arrebentou"... Mas de repente pintou ali um desejo de uma cumplicidade na minha relação comigo mesma e me prometi não revelar a ninguém o ocorrido. Era uma besteira, mas era meu segredo então. Afinal, se eu tivesse simplesmente com vontade de sair descalça pela rua? Deveria satisfação a alguém? Incorporei aquilo como um ato de rebeldia, mantive a postura firme, escolhendo meus produtos, fui para a fila. Se alguém me olhava com interrogações nos olhos eu olhava de volta com um sorriso e naturalidade, firme em meu voto de silêncio.
Saí do mercado tomada por um sentimento de liberdade indescritível. Cheguei em casa eufórica, sentindo que resgatei um pedacinho de mim, uma parte esquecida da cabocla sensual, selvagem e sem frescura. Porque não ter frescuras inúteis é muito sexy, mais sexy que lingerie.

5 comentários:

  1. Linda! Adorei! Que saudade de você, querida!
    Te amo "cabocla sensual, selvagem e sem frescura"
    beijos da sua amiga, Andrea Amrta

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    1. Moça dos Ventos, que surpresa agradável você por aqui! <3

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. amiga adorei!! vou "te ler" sempre!! beijos

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